Mineração do outro
Os cabelos ocultam a verdade.
Como saber, como gerir um corpo alheio?
Os dias consumidos em sua lavra
significam o mesmo que estar morto.
Não o decifras, não, ao peito oferto,
monstruário de fomes enredadas,
ávidas de agressão, dormindo em concha.
Um toque, e eis que a blandícia erra em tormento,
e cada abraço tece além do braço
a teia de problemas que existir
na pele do existente vai gravando.
Viver-não, viver-sem, como viver
sem conviver, na praça de convites?
Onde avanço, me dou, e o que é sugado
ao mim de mim, em ecos se desmembra;
nem resta mais que indício,
pelos ares lavados,
do que era amor e dor agora, é vício.
O corpo em si, mistério: o nu, cortina
de outro corpo, jamais apreendido,
assim como a palavra esconde outra
voz, prima e vera, ausente de sentido.
Amor é compromisso
com algo mais terrível do que amor?
pergunta o amante curvo à noite cega,
e nada lhe responde, ante a magia:
arder a salamandra em chama fria.
Carlos Drummond de Andrade
Beatriz
"Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida.
(...)
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz." Chico Buarque
Mais do mesmo.